Eroica Limburg: uma aventura épica

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Em 1997 Giancarlo Brocci decidiu criar a L’Eroica, uma prova de ciclismo dedicada aos modelos construídos até 1987, com seletores de mudanças no quadro e pedais de plataforma ou de correia. Disputada inicialmente nas estradas de gravilha da Toscânia, a prova depressa se propagou pelo mundo fora existindo hoje em dia eventos nos Estados Unidos, África do Sul, Japão, Espanha, Reino Unido e Holanda.

Organizada em Valkenburg, perto de Maastricht, capital da província neerlandesa de Limburgo, a primeira edição da Eroica Limburg não podia ter escolhido melhor local. Exibindo uma enorme herança histórica no ciclismo mundial, a região holandesa foi palco de cinco Campeonatos do Mundo, o mais famoso das quais realizado em 1948, no auge da rivalidade de Bartali e Coppi. A edição de 1979 ficou igualmente célebre, pela queda no sprint de Battaglin, ganho por Jan Raas. Mas a coroa de glória ciclista de Limburg – uma pequena vila medieval com 8000 habitantes, ensanduichada entre a Bélgica e a Alemanha – é a clássica Amstel Gold Race. Percorrendo várias das ruas com nomes de ciclistas famosos, e terminando no Cauberg, uma rampa com 1200 metros de extensão com um gradiente médio de 5,8 por cento e máximo de 12 por cento, a Amstel Gold é uma presença assídua no centro da vila, que todos os anos é palco de uma intensa peregrinação a pedal.

Vinda diretamente de Inglaterra, da gama de aluguer da Glory Days (http://glorydays.cc), a minha bicicleta Cougar, de 1983, resplandecia ao sol. Exibindo com orgulho os selos da Reynolds nos esguios tubos de aço, a Cougar vermelha e amarela vinha completa com guiador e avanço Cinelli, travões e alavancas Shimano 105, rodas Mavic MA40 700c, mudanças FSA com pedaleiro duplo à frente e cassete de seis velocidades atrás, e um confortável selim Brooks B17. Uma escolha ideal para enfrentar os variados pisos da Eroica. Com três percursos de 60, 100 ou 160 quilómetros à escolha, a Eroica Limburg prometia zonas planas, mas também algumas subidas bem famosas, não esquecendo vários estradões de gravilha e terra batida. Dada a extensão dos percursos, a passagem das fronteiras com a Bélgica e Alemanha era praticamente inevitável, oferecendo um sabor internacional à aventura.

Uma aventura que começou por atravessar a pedreira de giz Gemeentegrot, e que passou em seguida por oferecer navegação através dos estradões de cascalho e terra batida que servem de acesso aos campos para os agricultores. Seguindo em pelotão, a mistura entre momentos de lazer e de pura adrenalina – fosse a subir rampas de 20 por cento, fosse a descer em caminhos de terra – foi constante. O sentimento de camaradagem era acentuado durante os períodos de descanso, onde não faltaram doces e salgados da região. Com o dever cumprido, e nenhum furo a registar, a prova de 100 quilómetros ficou completa seis horas. Não fossem as paragens para abastecer o corpo, e provar as cervejas locais, e o tempo teria sido inferior. Mas a aventura não seria tão épica.

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A coroa de glória ciclista de Limburg – uma pequena vila medieval com 8000 habitantes, ensanduichada entre a Bélgica e a Alemanha – é a clássica Amstel Gold Race
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Organizada em Valkenburg, perto de Maastricht, capital da província neerlandesa de Limburgo, a primeira edição da Eroica Limburg não podia ter escolhido melhor local
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A venda ambulante feita em automóveis antigos acrescentava um sabor especial ao evento
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Imagem: Paolo Martelli

À descoberta do Douro

Viagens

O vale do Douro podia muito bem ser encantado, tal é a beleza e magia das suas encostas. Partindo da cidade do Porto, onde o rio desagua no mar e os vinhos do Porto são produzidos, são várias as formas de ficar a conhecer esta paisagem cultural, inscrita como Património Mundial: por estrada, comboio ou mesmo de barco. Mas nenhuma é tão bela quanto por bicicleta. Há que começar em Vila Nova de Gaia, com uma visita às caves onde o vinho do Porto é envelhecido, admirando de seguida as paisagens rio a cima, e ficando a conhecer as vinhas, aldeias e vilas, até chegar a Miranda do Doudo, o ponto onde o rio entra em Portugal. Já no Peso da Régua, o Museu do Douro oferece uma perspetiva diferente da região e da produção de vinho.

A planear fazer uma volta de 60 km, deixei o hotel um pouco antes das 9 da manhã, garantindo temperaturas mais frescas e um regresso adiantado. Famosa pela sua beleza, pedalei rio acima através da Estrada Nacional número 2 (EN2). E enquanto os primeiros 15 km foram planos, a viragem para dentro em direção a Tabuaço revelou um monstro de subida. Estendendo-se por nove extenuantes quilómetros, esta incrível parede levou-me até às vinhas, dos originais 90 metros de altitude para os 628 metros, com gradientes algumas vezes acima dos 20 por cento. Mas à medida que a subida endureceu, o cenário tornou-se ainda mais impressionante.

No topo da magnífica colina, a obrigatória paragem para fotografias foi refrescante. Em Tabuaço iniciei a rápida descida. Tal como o pequeno rio Távora, flui rapidamente em direção ao Douro, admirando as maravilhas naturais do território. A chegada ao Peso da Régua foi marcada pela passagem da antiga Ponte Metálica, um símbolo da arquitetura clássica e das vinhas preparadas à mão no Douro.

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No topo da magnífica colina, a obrigatória paragem para fotografias foi refrescante
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A viragem para dentro em direção a Tabuaço revelou um monstro de subida. Estendendo-se por nove extenuantes quilómetros, esta incrível parede levou-me até às vinhas
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A chegada ao Peso da Régua foi marcada pela passagem da antiga Ponte Metálica, um símbolo da arquitetura clássica e das vinhas preparadas à mão no Douro
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Espanha aqui ao lado

Viagens

Uma das marcas do Alto Alentejo e do Parque Natural da Serra de São Mamede é a proximidade com Espanha. Não precisamos de percorrer muitos quilómetros para ouvirmos outra língua, conhecermos outros costumes. Em Portugal, chamamos a quem vive perto da fronteira, Raianos. Porque a fronteira é a raia.

Viver perto do estrangeiro tem verdadeiras particularidades. Já lá vai o tempo do contrabando, em que determinados produtos entravam e saíam de Portugal por vias menos legais. Já não é sequer preciso apresentar documentos quando passamos para o outro lado. Nem há polícia a controlar as fronteiras. Cruzar esta linha é tão simples como passear dentro do território. Mas depressa nos apercebemos que, apesar da proximidade, há tantas diferenças. Na língua, nos hábitos de vida, na gastronomia.

Na Gazeta Rides adoramos o desafio da subida inclinada, deslumbramo-nos com as paisagens estonteantes do Alto Alentejo e não perdemos uma oportunidade de parar para um reforço energético. Quando chegamos a Espanha, é difícil recusar uma tapa de queso manchego ou um bocadillo de jamón ibérico. Há lá melhor forma de ganhar forças para o regresso?

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Em Portugal, chamamos a quem vive perto da fronteira, Raianos. Porque a fronteira é a raia
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Hoje em dia, cruzar a fronteira entre Portugal e Espanha é tão simples como passear dentro do território
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Na Gazeta Rides adoramos o desafio da subida inclinada, deslumbramo-nos com as paisagens estonteantes do Alto Alentejo e não perdemos uma oportunidade de parar para um reforço energético
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Quando chegamos a Espanha, é difícil recusar uma tapa de queso manchego ou um bocadillo de jamón ibérico

Arte em forma de doce

Gastronomia

País marcado pela forte adoção da religião católica romana, Portugal é um país com conventos em todo o território. Foi aí, nestes locais de reclusão e adoração, que nasceram algumas das maiores preciosidades da gastronomia portuguesa, verdadeiros pecados do palato. O manjar branco, o queijo dourado, os fartes, o toucinho do céu são apenas exemplos da riqueza imensamente doce que ainda hoje se produz nas cozinhas dominadas por mãos hábeis e apaixonadas pela confeção destas obras de arte.

A doçaria conventual é a ourivesaria da cozinha. As gemas de ovos, o açúcar e a amêndoa são os principais ingredientes. É impressionante a forma como apenas três elementos, resultam em doces tão exclusivos e requintados. Pouco práticos para quem anda de bicicleta, mas uma verdadeira explosão de doçura no final de uma refeição tradicional alentejana. A história destes doces é curiosa. Numa época em que Portugal era um dos maiores produtores de ovos da Europa, as claras eram utilizadas como elemento purificador na produção de vinho branco e para engomar roupas elegantes de homens ricos por todo o continente. O excesso de gemas e o acesso facilitado ao açúcar, fez com que muitas freiras, provenientes de famílias nobres, não se limitassem à reflexão e à adoração. As cozinhas dos conventos transformaram-se em autênticos laboratórios gastronómicos.

Em Portalegre, o mais importante foi o de Santa Clara. É daí que saíram as principais receitas conventuais desta região e que ainda hoje são rigorosamente respeitadas por artistas gastronómicos. Na Gazeta Rides somos apaixonados pelos doces e pelas histórias que os rodeiam. Não levamos toucinho do céu ou rebuçados de ovo para as nossas voltas de bicicleta. Mas não recusamos como sobremesa, com o café, e entre dois dedos de conversa com os amigos. É assim que também gostamos de viver a vida. Mas sempre com moderação, porque estas tentações são verdadeiras guloseimas de tão doce que têm.

A doçaria conventual é a ourivesaria da cozinha. As gemas de ovos, o açúcar e a amêndoa são os principais ingredientes
As cozinhas dos conventos transformaram-se em autênticos laboratórios gastronómicos
O manjar branco, o queijo dourado, os fartes, o toucinho do céu são apenas exemplos da riqueza imensamente doce da doçaria conventual